Por Rafael Rocha
O Círculo
Hoje abordaremos um assunto geralmente deixado de lado durante a criação de um cenário de fantasia: O tamanho dos continentes e ilhas, fator que influencia não apenas o clima, como também a duração das viagens, tamanho e dispersão de cidades e reinos.
O objetivo deste artigo não é limitar o mestre durante a criação de seus continentes e ilhas, mas sim ajudá-lo a traçar as características que são derivadas das proporções de suas extensões de terra. Como todos os artigos desta coluna, pretendemos apenas fornecer algumas opções aos mestres, mas se por algum motivo elas não parecerem adequadas siga o que parecer melhor para o seu jogo e se divirta!
CONTINENTES E ILHAS
A definição de continente é bastante incerta por não definir um tamanho mínimo para que uma extensão de terra seja considerada ou não um continente: O continente é uma grande massa de terra contínua cercada pelas águas oceânicas, enquanto uma Ilha é uma extensão de terra menor que um continente, porém maior que uma rocha, cercada de água por todos os lados. Diversas ilhas próximas umas das outras formam um arquipélago.
Notem que a definição de ilha se torna ainda mais delicada e nebulosa, pois o que é considerado uma ilha em um cenário pode ser um continente em outro, dependendo da proporção das terras existente no mundo.
Independente da classificação escolhida, o ideal é definir anteriormente como o mais novo pedaço de terra de seu mundo de fantasia será depois de habitado. Afinal, continentes ou ilhas desertos não costumam ser os melhores cenários de campanha...
CONTINENTALIDADE
As proporções do continente afetam o clima de maneira substancial, devido principalmente a um fenômeno chamado de continentalidade. Quanto mais distante um ponto estiver do litoral, maior é a continentalidade e, portanto, o clima tende a ser mais seco e suscetível às mudanças mais extremas de temperatura. A continentalidade ocorre pelas diferenças de propriedades térmicas existentes entre a terra e a água. A água tem uma tendência a armazenar o calor que recebe, enquanto a terra rapidamente o devolve à atmosfera. Assim, o interior de um continente tende a uma temperatura média mais oscilante, diferente das regiões litorâneas, que possuem grandes massas de água como reguladoras de temperatura.
Quanto maior o continente maior a continentalidade em seu interior. Em regiões tropicais, o fenômeno pode inclusive se tornar um dos fatores que levam ao surgimento de desertos e áreas de savana, como no cerrado brasileiro.
REINOS E CIDADES
Outra conseqüência do tamanho de seu continente ou ilha é a dispersão de seus povoados e a freqüência de interação entre eles. A tendência é que menores extensões de terra possuam uma maior densidade populacional (média de pessoas por quilômetros quadrados). Assim podemos afirmar que o tamanho de um continente é proporcional à dispersão entre seus povoados, cidades, e reinos. Claro que isto é uma simplificação, pois são ignorados fatores decisivos para a aglomeração humana, como a existência de minerais valiosos, rios, lagos, terrenos férteis e outros recursos naturais que serão tratados em futuros artigos.
Os meios de transporte e comunicação também devem ser levados em consideração quando se define o tamanho e a dispersão das cidades e povoados. Durante a Idade Média os Estados dificilmente ultrapassavam os 1500 quilômetros de extensão, pois a distância dificultava tanto o gerenciamento e envio de suprimentos, como a tomada de decisões em tempo hábil. Somente com a invenção das locomotivas a vapor é que essa limitação começou a ser amenizada, mas em um mundo de fantasia facilmente podemos imaginar a magia fazendo o papel desta tecnologia, ou mesmo se mesclando a ela, como visto em Eberron, por exemplo.
Assim, o tamanho de seu continente ou ilha em um mundo de “fantasia padrão” não terá tanta influencia no tamanho dos reinos, limitado por outros fatores.
VIAJANDO
Viajar é parte importante da maioria das campanhas, e obviamente, o tamanho do continente afeta de maneira profunda a duração e dificuldade dessas jornadas. As distâncias médias que um grupo percorre em um dia, em estradas de boas condições e clima ameno são:
Distância média percorrida por dia a pé: 50 km – 60 km
Distância média percorrida por dia a cavalo: 160 km – 180 km
Distância média percorrida por dia de carroça: 30 km – 40 km
Um erro comum nos mundos de fantasia medieval é a presença de um continente enorme, onde reinos localizados em extremos mantêm rotas comerciais e até guerreiam entre si, como se a grande distância que os separa fosse apenas mais um empecilho de viagem. Para ilustrar isso vamos imaginar o Brasil como sendo o nosso cenário de fantasia. A simples troca de suprimentos entre os reinos de Rio de Janeiro e Salvador levaria mais de 40 dias em carroças carregadas, isso sem considerar as travessias de rios, terreno ruim e mudanças climáticas. Entretanto a troca de informações e notícias entre os dois reinos se daria em pouco mais de uma semana, o que é um período de tempo bastante viável em um mundo sem Internet, rádio, ou mesmo motores a vapor.
Vamos imaginar agora dois reinos localizados em Belém e Porto Alegre, separados por mais de 3800 km. Um simples mensageiro em um cavalo veloz levaria mais de 20 dias, enquanto uma carroça de mercadores ou um batalhão de soldados (que se move na velocidade de seu membro mais lento, no caso as carroças de armas e comida) levaria cerca de 95 dias, tempo o suficiente para cansar ou adoecer a maior parte da tropa, e causar a perda de uma parte do carregamento no caso de mercadores, seja devido a chuvas e mudanças climáticas, quebras, problemas com os cavalos ou perigos como emboscadas e animais selvagens.
Mares e rios podem representar uma saída para amenizar o problema da distância, desde que sejam navegáveis, e em seu mundo as tecnologias navais básicas já estejam dominadas. A velocidade média dos navios varia bastante dependendo do tipo de embarcação, correnteza ou correntes de vento, mas é seguro afirmar que um navio típico da Idade Média pode levar significantemente mais carga que uma carroça a uma maior velocidade.
É essencial que ao criar seus continentes o mestre tenha em mente a localização de seus principais reinos, e molde suas relações comerciais e militares de acordo com a distância e os acidentes geográficos que os separam. Aragorn, Legolas e Gimli percorreram a pé mais de 300 km em três dias para resgatar Merry e Pippin dos servos de Isengard, mas se nem todos os heróis possuem essa disposição, o que dizer então de um simples mensageiro ou soldado raso?
OUTRAS OPÇÔES
Nada impede o Mestre de fugir as convenções quando estiver definindo o formato e extensão de seus continentes. Um mundo inteiro formado por uma interminável sucessão de ilhas, em um gigantesco arquipélago, poderia ser um cenário de fantasia extremamente interessante, onde o desenvolvimento de uma tecnologia naval seria o fator determinante na evolução das sociedades. O próprio Caribe, que foi um paraíso dos piratas durante o século XVII, é um bom exemplo de como um grande número de pequenas ilhas pode ser um ambiente propício para aventuras.
No outro extremo um cenário formado apenas por continentes gigantescos, onde a presença de água fora do litoral seja rara, também seria bastante interessante, com provavelmente um clima árido e uma paisagem desértica semelhante à de Dark Sun ou de Duna. Em um cenário assim os jogadores teriam que ser ver frente ao racionamento constante de água, em um eterno exercício de sobrevivência.
Estejam conosco na semana que vem, quando abordaremos um tema que pode abalar as estruturas da sua campanha. Até lá!
Rafael Rocha
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